
Show Ayrton Montarroyos
16/04-19:00 > 20:00

Esse espetáculo é concebido a partir dos arquétipos da cultura do homem brasileiro, ora sertanejo, ora urbano, praiano. Como diria João Cabral de Melo Neto sobre os recifenses: “ambidestros do seco e do úmido”, o homem que se retira do sertão para tentar uma vida, alguma que valha à pena viver, nos ambientes urbanos litorâneos, tais como o Rio de Janeiro e Recife. Talvez esse homem seja nordestino, mas por certo é brasileiro. O folclore, a oralidade, as histórias de pescador, tudo se cria ao redor desse homem por ele mesmo, tudo nasce de sua imaginação: sua música e também sua própria existência, forjada nos cadinhos do trabalho, do amor vivido ou amargurado em seu peito. No palco essa existência, esse homem, não é ali o objeto, mas o sujeito dessa história. Os acontecimentos que gestaram o cerne da questão desse homem tomam proporções hiperbólicas, tudo é demais até seu fim. E são esses acontecimentos que interessam ao espetáculo; fazê-los acontecer através das canções para que então as coisas aconteçam de modo espontâneo, através da consciência da plateia, que sempre será capaz de produzir seus próprios mitos. Como numa receita alquímica, tudo está no palco; cada ingrediente necessário para evocar, presentificar ali os alicerces que sustentam a vida inventada pelos homens. Como se o folclore fosse a maior coisa entre nós, o mito sobressai tornando-se a essência de tudo ao redor, levando o público a ser esse alguém, embora outro. É preciso despertar para a realidade de que a cultura dos homens provém o mundo que existimos e acreditamos existir.
No mito grego, a lira foi criada pelo deus Hermes no seu primeiro dia de vida. Olhou para uma tartaruga, achou-a engraçada e matou-a. Do seu casco criou-se estrutura para carregar o par de chifres de um boi que havia roubado da criação do seu meio-irmão, o deus Apolo, O Olho Que Tudo Vê. Com as tripas do boi afinadas e sustentadas pelos chifres e casco dos animais, Hermes criou “a primeira lira que animou todos os sons”. A partir da lira uma existência nova era fundada e tudo havia mudado desde então. Jamais o mundo seria o mesmo.
Assim como na história de Hermes, em “A Lira do Povo” há também um animal, um ser, um observador ativo que sobrevoa por entre as três suítes do espetáculo, entre os três universos que criamos: o sertão, o mar e a cidade. Um pássaro. Um pássaro que espreita as passagens dos textos musicais, mas mais que isso: acompanha o desenvolvimento desse personagem que nada mais é que o próprio sentimento brasileiro, o nosso folclore, a nossa cultura que nos inventa. Ao longo do espetáculo esse pássaro é amado (“cantando para a majestade: o sabiá”), preso numa gaiola, observado, ele foge (“guriatã de coqueiro, fugiu da sua gaiola”), traz mágoas e lembranças à tona e por fim, no último movimento, é enxotado pelo trabalho do homem urbano (“horas atrás, sem atentar, assustei os pássaros daqui”). É expulso pela falta de tempo, que impede a todos de olhar para cima e ao redor na cadeia de produção da vida que se criou. Expulso talvez o único Ser em todo o roteiro: o pássaro. Hermes, criador da primeira Lira, é, como os pássaros, alado. O deus dos mercados, mas também dos significados que as coisas possuem em si, significados que foram imantados nas coisas pelo tempo e pela convenção humana, como a moeda ou as palavras. Hermes é a prova de que uma mentira repetida muitas vezes torna-se verdade, ou melhor, não há mentiras, tudo é verdade inventada. “A Lira do Povo” é mais uma dessas verdades.
Ficha Técnica:
Ayrton Montarroyos (voz), Arquétipo Rafa (violão e programações).
16 de Abril de 2025
Quarta | 19h
Teatro da UFF
Rua Miguel de Frias, 9 – Icaraí – Niterói
Ingressos: R$ 80 (inteira) – R$ 40 (meia)
Canais de venda: Guichê Web e Bilheteria
Classificação Indicativa: Livre